19 de setembro de 2010

No interior

Tarde quente de final de inverno. É, inverno! No sol ainda forte a lua aparece, em cor branca como a das nuvens do dia, ralas, espaças, dispersas. O vento também presente parece ter migrado de agosto, ainda sopra como sem tempo, sem se preocupar. Leva as nuvens de um lado para outro. Na sombra construida,onde o tempo parece não passar, o pardal se alimenta com o sobra, mas não parece se queixar. O canto estridente que vem da gaiola, talvez fosse mais feliz sem a mesma, mas também não parece se queixar, e canta alto pra se destacar. Vida meio pacata. O que é o interior?! Talvez seja um pouco mais de sossego, de tempo pra perceber, perder, perceber, pra ser menos indiferente. A lua parece não se mover. Parece não ter muito o que fazer. Acho que também habita em algum interior, só que ali próximo a Terra. Talvez tudo que queira mesmo seja habitar seu interior, e deixar que o tempo passe, e que as coisas fluam por essas órbitas. Talvez goste desse sossego, dessa "vida" menos acelerada. Talvez isso seja o bastante, e não queira mais nada. Talvez!

3 de setembro de 2010

Afinal, o que é modernidade?

Uma passagem da Carta da Terra (documento resultante da iniciativa das Nações Unidas na discussão e elaboração de uma Declaração Internacional para reflexão de princípios éticos fundamentais para o século XXI) nos convida a refletir sobre a realidade crítica que nos encontramos, sobre nossos hábitos, principalmente com relação às condições de preservação da vida. Ela aponta que um estado de desordem, de caos, não significa simplesmente um estado de crise absoluta, mas também de oportunidade para mudanças, de busca por um novo estado de ordem, ou seja, um novo estado de consciência. Seria como que, chegando a certo ponto crítico, nos víssemos obrigados a pensar e a tomar um novo caminho, um caminho diferente. 
   Vivemos em tempos de contradição, pois ao mesmo tempo em que trabalhamos por melhores condições, também por outro lado, nos prejudicamos com conseqüências negativas de nossas próprias atividades. Porém, não atingimos apenas a nós mesmos, mas a todo um sistema de vida que depende de um equilíbrio, ou de pelo menos condições para buscar um novo estado de equilíbrio. As intensas atividades antrópicas afeta o planeta em que vivemos a tal ponto que, o mesmo já dá sinais de esgotamento, e isso vem provocando graves conseqüências que afetam nosso sistema social como um todo. As mudanças climáticas é um exemplo disso. Muitas vidas são perdidas em função de catástrofes impulsionadas pela ação do homem; nossas reservas naturais são exploradas de forma irracional, e condenadas ao esgotamento; nossas plantações são perdidas pelo clima que se torna imprevisível, e nossas cidades cada vez mais sufocadas, perdem o controle de suas demandas reais e de suas funcionalidades. A intensificação dos problemas nos centros urbanos está também diretamente ligada ao modo de viver de suas populações, tendo em vista que cada vez mais ocorre um aumento do número de pessoas que optam por viver nas cidades. Isso acontece quase sempre, por uma questão de se aventurarem em busca de melhores oportunidades, na maior parte das vezes de maneira frustrada, ou ainda pela vinda de pessoas que antes viviam em áreas rurais, e tentam de alguma forma escapar do abandono que se encontra o “campo”(dificuldades de fixação no homem em suas propriedades de maneira satisfatória), e mesmo por atração por uma suposta modernidade meramente material.  Esse processo de inchaço dos centros urbanos faz com que os mesmos tenham que suprir necessidades cada vez maiores, em função desse crescimento populacional que ocorre sem nenhum planejamento. Desta forma, os problemas gerados, cedo ou tarde, acabarão atingindo a todos, por mais que as populações ainda se apresentem de maneira segmentada em suas classes e particularidades sociais. 
   Tudo isso indica que há algo de errado em nossos modos de vida, e que é fundamental pensarmos em novas formas de interação com tudo que existe e vive. Os hábitos de produção e de consumo já não são compatíveis com o bem-estar social das sociedades pelo mundo, onde a maior parte das pessoas vive em condições de vida extremamente difíceis, e sob o jugo de um sistema imperante, sistema esse que visa cada vez mais o acúmulo do capital desmedido, fazendo com que nossas economias deixem de trabalhar em prol de seu povo de maneira equitativa. Essa situação acentua-se ainda mais nas economias de países ditos em desenvolvimento ou emergentes, como por exemplo, Brasil, China, Índia, entre outros. Se pensarmos nas conseqüências ambientais, a situação torna-se ainda mais grave e urgente. Perdemos a cada dia, mais e mais nossas florestas, contaminamos nossas águas e solos, poluímos o ar que respiramos, e suprimimos nossa biodiversidade tão necessária ao equilíbrio das espécies e da vida. Chegamos a um momento em que, ou mudamos, ou pomos tudo a perder e sofremos as conseqüências. Porém, essa mudança não precisa, nem deve ser algo sofrido. Deve ser encarada como uma superação, um novo projeto do homem, um novo modo de vida, de interação com o todo. Essa nova fase humana deve ter como base a questão ecológica, pois através do cuidado com o que nos proporciona a vida é que teremos a plena sabedoria do que realmente é fundamental, tendo em vista que somos apenas parte integrante do meio, parte que pensa, que sente, e que vive em consciência. Rever nossos conceitos, nossas necessidades, e tentar viver com maior harmonia com nosso planeta é valorizar suas belezas naturais, de modo a valorizarmos também tudo aquilo que conquistamos até aqui como humanos que somos. 
   Sempre se falou muito em modernidade, sempre se idealizou uma sociedade moderna, um mundo moderno. Porém, as pessoas pouco param pra pensar no sentido desta palavra. Muitos associam modernidade com avanço tecnológico, que não deixa de ter sua parcela de importância, visto que as tecnologias existem pra facilitar nossas vidas. A riqueza de uma nação também é vista como parâmetro para se medir a modernidade, já que apresenta estreita relação com a questão da aquisição de tecnologias. Porém, mesmo nas maiores economias pelo mundo, ainda vemos que nem tudo que as pessoas precisam ainda foi oferecido, e que grandes parcelas dessas sociedades vivem de forma bastante desigual. Muitas dessas grandes economias se desenvolveram em detrimento do esgotamento de alguns de seus recursos naturais, ou modificaram drasticamente suas paisagens, tudo isso sem pensar nas conseqüências que esse suposto desenvolvimento poderia trazer. O conceito de modernidade abrange questões um pouco mais profundas, se pensarmos que mesmo tendo riqueza e tecnologias a nosso favor, ainda sim poderíamos não levar uma vida com qualidade, e muito menos poder proporcionar boas condições de vida para nossas futuras gerações. Poder desfrutar de fontes limpas de água, respirar um ar que não provoque problemas respiratórios, consumir alimentos livres de contaminantes químicos, viver em uma sociedade mais igualitária e solidária, e ainda conseguir fazer com que essas condições tenham continuidade ao longo dos tempos, esse é um desafio colocado para todos atualmente, e que nos faz refletir de forma mais cuidadosa com relação a nossos avanços e conquistas. 
   Modernidade nos dias de hoje pode ser pensada no sentido de como conseguirmos desenvolvimento sem que para isso precisemos criar condições que coloquem nossas vidas em risco à médio e longo prazos, sem criarmos novas contradições e condições quem sabe até irreversíveis ao equilíbrio da vida em nosso planeta. Nessa perspectiva, nem tudo que é novo é necessariamente moderno. Talvez não precisemos tanto mais do novo, mas talvez (re)aproveitar, aprimorar, (re)adaptar, e transformar aquilo que já temos, aquilo que já somos.